sábado, 9 de junho de 2012

Frio como uma montanha norueguesa


   Muitos falam sobre as cores e vivacidade da primavera como única e exímia maravilha. Mas, para mim, não há no mundo nada mais repleto de beleza do que a mortalidade do inverno. Talvez não compreendas onde pretendo chegar, mas tenha em mente, caro leitor, que a beleza nem sempre é uma rosa vívida logo exposta a sua frente. Ela também pode ser o interior do tronco de uma árvore seca - feia a primeira vista - , mas dona de um mistério que uma mera rosa jamais terá igual. A árvore seca guarda as marcas dos longos invernos e verões por onde esteve; outrora radiante quanto o sol, agora triste e macilenta quanto uma lágrima numa página. Mas nada se pode afirmar sobre ela. Eu ainda me recordo do dia em que algo ainda mais hiemal do que uma árvore seca me ensinou essa lição. Eis que vi-me diante da gigante enregelada: uma montanha norueguesa. Consciente de seus muitos perigos, poderia dela ter desviado e prosseguido numa tranquila jornada em busca de verdes campos. Porém, logo estava eu dando os primeiros passos verticais rumo ao seu cume. De tão grandiosa, a montanha arranhava o céu com a facilidade com que rasgamos a água calma com nossos dedos, e seu pico era cercado por densas nuvens, impossível de ser visualizado. Afiadas rochas salientavam-se de seus cantos, cada passo naquela criatura era um risco letal. Mas como era bela! Sua neve era tão ávida que parecia intocada por mãos humanas, seu formato era perfeito tal como esculpido por fadas, e o vento gélido que ressoava em seu redor despertava sensação semelhante a de um sonho. O mais belo sonho. Inesquecível. Eu não poderia descrever com palavras a sensação de estar com as mãos fincadas àquele solo nevado. Era como tocar um sonho, a fonte de todos os prazeres, a promessa da felicidade eterna. Eu me devotei àquilo e quis alcançar o cume como se jamais houvesse querido outra coisa na vida. Não existia mais vida, nem tãopouco um mundo lá embaixo; apenas a montanha norueguesa. E mais e mais eu me afogava em fascínio por ela.
    E talvez fosse isto o que me impelia a avançar, um passo adiante na montanha, mas ainda assim não havia nem ao menos saído de seu início. Eu estava morrendo. Fenecendo lentamente dia-após-dia. Fome, frio e desgaste. Mas a magia da montanha me impedia de perceber os meses se passarem. Então eu apenas prossegui naquela morte lenta e dolorosa, fascinante. Até que certa vez um cascalho escorregou de meus pés e, pela primeira vez em tempos, pude enxergar além do feitiço: vi-me escalando uma montanha monstruosa de neve cinzenta e sombria. E o vento cheirava à morte. Senti medo, tanto medo. De repente eu não sabia mais o porque de tudo aquilo, o que estava fazendo ali. Eu jamais poderia alcançar o topo daquela montanha sem antes definhar de dor. Foi por isso que eu decidi pular. Mesmo que a altura da queda fizesse de meus ossos pó, seria melhor assim morrer do que tentando escalar um sonho letal. Fascinante.

   Assim foi meu meu amante; belo, fascinante, encantador, perfeito.
   Mas frio
como uma montanha norueguesa.

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